Acaba hoje o prazo para que qualquer cidadão português se possa manifestar por escrito em relação aos ensaios com plantas geneticamente modificadas nos conselhos de Ferreira do Alentejo e Monforte [link] . Estas plantas ainda não estão aprovadas para cultivo nem está provado que sejam seguras para o as outras plantas, para os animais que circulam no campo ou para o ser humano, mas em algum lugar tem que se fazer o teste. Porque não em Portugal?
A realização de uma consulta pública antes da realização destes testes está prevista na lei, mas a sua divulgação ampla não está. O Simplex tem direito a publicidade no intervalo da telenovela que dá em horário nobre, mas não ouvimos falar desta consulta pública. A Plataforma Transgénicos Fora emitiu um comunicado em que dava um parecer negativo aos ensaios apontando 4 razões de ãmbito legal bastante relevantes [link].
Como nunca deixei de votar ou de participar em processos de cidadania desde que tenho idade para isso, também enviei o meu parecer:
«Exmo. Sr. Director-Geral da Agência Portuguesa do Ambiente,
Venho por este meio exercer o meu direito de cidadã portuguesa a participar na consulta pública sobre os ensaios com milho geneticamente modificado tolerante a herbicida nos locais de Ferreira do Alentejo e Monforte. Como licenciada em Biologia no activo e Investigadora em análise de risco relativa à introdução de plantas não nativas, a minha opinião sobre estes ensaios é de que constituem uma exposição desnecessária da população, da flora e fauna portuguesas e do próprio solo a um perigo que não é sequer quantificável. Deixo-o com o meu parecer, devidamente fundamentado nas referências abaixo indicadas.
As plantas geneticamente modificadas tolerantes a herbicida contêm um gene que se expressa em todos os órgãos da planta e tal como as outras substãncias naturalmente produzidas por todos os vegetais, exuda as proteínas produzidas pela raíz. A presença destas novas proteínas no solo altera a composição da população de micróbios à volta da raiz e este efeito propaga-se em cascata até alguma distãncia da planta (Liu, 2005). Tenha também em conta que ao introduzirmos uma planta tolerante a herbicidas, no ano seguinte não conseguiremos retirar as plantas que nascerem de sementes caídas com o mesmo herbicida que usámos, porque elas lhe são resistentes. isto implica um acréscimo na quantidade de herbicida que se vai aplicar ao solo (Lutman, 2005). A libertação deliberada de plantas geneticamente modificadas veio, num curto espaço de tempo, expôr o ambiente agrícola a uma quantidade de proteínas tremendamente maior do que quando elas eram produzidas apenas por microorganismos, e é impossível prever em que sentido os ecossistemas se vão deslocar para compensar este desiquilíbrio. A verdade é que se as populações de microorganismos que produzem as proteínas transgénicas não eram extensas até agora, isso devia-se ao equilíbrio natural em que estavam inseridas, e ele está a ser quebrado (Hillbeck, 2001).
Por último, gostava de lhe lembrar que muitos, se não a totalidade dos auto-denomidados peritos na matéria que se têm chegado à frente para dar o seu parecer positivo à libertação deliberada de plantas geneticamente modificadas são pessoas que exercem biologia e molecular e genética e estão apenas familiarizadas com o comportamento destes organismos em ambientes confinados. O impacto que uma população destas pode ter quando libertada é um assunto sobre o qual se devem pronunciar profissionais das áreas da evolução e dinãmica de populações, da fitossociologia e da ecologia, porque são essas áreas em específico que se debruçam sobre a movimentação de genes e populações no ambiente.
Com os melhores cumprimentos,
Rita
Assistente de Investigação
(respectiva instituição)
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Referências:
Hilbeck, A. (2001). "Implications of Transgenic, Insecticidal Plants for Insect and Plant Biodiversity." Perspectives in Plant Ecology, Evolution and Systematics 4(1): 43-61.
Liu, B., Q. Zeng, F. Yan, H. Xu and C. Xu (2005). "Effects of Transgenic Plants on Soil Microorganisms." Plant & Soil 271(1/2): 1-13.
Lutman, P. J. W., K. Berry, R. W. Payne, E. Simpson, J. B. Sweet, G. T. Champion, M. J. May, P. Wightman, K. Walker and M. Lainsbury (2005). "Persistence of Seeds from Crops of Conventional and Herbicide Tolerant Oilseed Rape (Brassica Napus)." Proceedings of the Royal Society B 272: 1909–1915.»
3 comentários:
" ...no ano seguinte não conseguiremos retirar as plantas que nasceram das sementes caidas..." estamos a falar das sementes da espécie e variedade cultivadas e geneticamente modificadas, certo ?
Gostei da carta !
Mas fiquei a meditar que talvez não fosse mal pensado agarrar neste assunto pelo lado do "principio da precaução", sim, mas com um argumentário menos convencional...não sei é como ...:((
:)
A legislação europeia que regula a introdução de OGM e se refere à aplicação do princípio da precaução na introdução de OGM nem sequer define o que se deve entender como "princípio da precaução" (EC/18.29/2003).
Pois...:((
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