brevemente, num campo perto de si


Notícia acabada de chegar ao e-mail, via Público Online: «A "Plataforma Transgénicos Fora" [PTF] criticou hoje que o Ministério do Ambiente tenha autorizado a realização de ensaios experimentais com milho geneticamente modificado (dos tipos 98140 e GA21) solicitados pelas empresas Pioneer e Syngenta para Monforte e Ferreira do Alentejo.» Continua aqui: [link]

Aparentemente, tudo dentro do normal: a PTF iria obviamente opôr-se a estes ensaios. O busílis da questão é que eu e qualquer cidadão comum só sabe destes ensaios porque a Plataforma Transgénicos Fora emitiu um comunicado de imprensa!

Ou seja, se ninguém se queixasse...
podíamos ter um campo de milho transgénico a ser testado no nosso quintal sem sabermos.

TESTADO. Significa que ainda não foi aprovado para consumo, não se sabe se o seu pólen vai matar algum elo importante da cadeia alimentar de alguma coisa com patas (incluindo nós), não se sabe se as populações próximas vão ter crises de espirros e inchar como já aconteceu com outros tipos de milho transgénico [link], e o teste para a segurança relativa à sua libertação no ambiente, paradoxalmente, inclui libertá-lo. Do género: cheira aqui um bocadinho de gás do fogão. Não te sentes mal? Tonturas, desmaios, os teus glóbulos vermelhos não morreram em massa? OK então podemos encher o quarto com isto.

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PS: [Não me entendam mal: eu não sou CONTRA os transgénicos. Não me ponham no saco dos ambientalistas que querem atar os pés e as mãos à ciência porque leram muita ficção. Eu também faço parte da comunidade científica e trabalho, com muito gosto, em biotecnologia. Sou contra a criação de vegetais e animais transgénicos para alimentação porque são completamente desnecessários ao nosso mundo e o que gastam a serem inventados, testados e produzidos dava para regar o Darfur até lá crescerem tulipas! Tal como sou contra fazerem-me o ninho atrás da orelha e aprovarem coisas relativamente a transgénicos sem informarem o povinho! Estess lindos OGM só servem para encher os bolsos a quem os produz e são uma vergonha para a comunidade científica, são usados por técnicos incompetentes para publicar artigos científicos e aumentar o seu currículo. Porque criar um transgénico é uma receita simples que se faz nas aulas práticas no 2º ou 3º ano da licenciatura em Biologia só para vermos que resulta. E hoje em dia para se publicar um artigo basta o raciocínio "deixa lá ver, já alguém se lembrou de pôr um gene de cenoura numa gaivota?". Por isso essas pessoas nem sequer merecem que lhes chamem cientistas. ]


5 comentários:

Ritili disse...

"Sou contra a criação de vegetais e animais transgénicos para alimentação porque são completamente desnecessários ao nosso mundo e o que gastam a serem inventados, testados e produzidos dava para regar o Darfur até lá crescerem tulipas!"

Isto é um argumento muito estúpido... Quanto é que gasta fazer televisões? e carros? há muito dinheiro que não é gasto da forma mais adequada, mas isso não tem nada que ver com os OGMs. Além disso, há de ser rentável e deixar alguns agricultores muito satisfeitos, senão não havia empresas tão empenhadas em produzi-los.

"Estes lindos OGM só servem para encher os bolsos a quem os produz e são uma vergonha para a comunidade científica, são usados por técnicos incompetentes para publicar artigos científicos e aumentar o seu currículo. Porque criar um transgénico é uma receita simples que se faz nas aulas práticas no 2º ou 3º ano da licenciatura em Biologia só para vermos que resulta."

Criar um transgénico de uma espécie que já tenha sido transformada (i.e. "transgenicada") é relativamente fácil, sim... Mas grande parte do esforço está em conseguir transformar espécies difíceis, que por alguma razão é importente transformar. Isso envolve muito tempo, e muita tentativa e erro. Pelo bem da ciência, esses resultados devem ser publicados...

"E hoje em dia para se publicar um artigo basta o raciocínio "deixa lá ver, já alguém se lembrou de pôr um gene de cenoura numa gaivota?".

Penso que como cientista, saibas que o raciocínio do tipo "deixa lá por um gene de cenoura numa gaivota" tem normalmente fundamento teórico e é essencial ao desenvolvimento da ciência. Se ninguém tivesse feito coisas como pôr genes de humano em bactérias, ninguém tinha conseguido descobrir metade das funções dos genes que hoje conhecemos. Portanto, esse raciocínio não é uma coisa vaga e aleatória, mas um processo muito importante para avanços em todas as áreas da biologia, e um dos sustentos da investigação actual. É uma vergonha a forma como atacas esse pilar, e todo o esforço teórico e de compreensão que deve existir por trás de uma experiência desse tipo.

Rita

Rita disse...

Ritili: entrares aqui a dizer que um comentário meu é estúpido diz logo que és uma pessoa que não prima pela boa educação e a tua argumentação daí para a frente já leva nodoazinha. A tua lógica do "deve ser rentável para alguém senão não se faziam" está correcta, agora se tens miolos vai descobrir para quem é rentável e a quem dá cabo da vida. Não sei se sabes, mas não se comem televisões, nem elas fazem falta no Darfur, e já estão inventadas, não se estão a gastar recursos a tentar inventar televisões que funcionem sem água para funcionar no Darfur, enquanto que um restudo com pés e cabeça poderia arranjar um modelo agrícola funcional para o Darfur sem incluir o perigo dos OGM libertados no ambiente.

«saibas que o raciocínio do tipo "deixa lá por um gene de cenoura numa gaivota" tem normalmente fundamento teórico»

Bullshit. Já ouviste a famosa publish or perish? Pois, e os transgénicos são a melhor maneira de aumentar o CV. Se não conheces essa realidade não me parece que estejas suficientemente dentro da realidade da comunidade científica, ou se estás, então parece que te estás a fazer convenientemente de ceguinha.

Já agora, se te manténs a par das publicações em biotecnologia como eu tenho que me manter, porque é a minha área de trabalho, espero que ja tenhas reparado os artigos com criação de transgénicos têm aumentado proporcionalmente de ano para ano. E a criação de plantas transgénicas para libertação no ambiente é tão disparatada que gastar dinheiro com isso é um tiro no pé da humanidade. Se continuas a discordar disto, informa-te. Deves ter recursos para conseguires chegar aos factos pela tua cabecinha.

cristina disse...

É, de facto, muito complicado quando somos nós próprios a dar o amen a experiências porque partimos do princípio que os cientistas e os políticos que avalizam a acção dos primeiros são todos pessoas de bem e só avançam com todas as garantias de estar a trabalhar para o bem da humanidade. A História tem provado que a nossa profissão não nos confere automaticamente idoneidade ou honestidade. Os "especialistas" e "peritos" usam a sua informação privilegiada também no seu próprio interesse. Como explica Steven D.Levitt no seu livro Freakonomics, o nosso comportamento rege-se pela reacção a incentivos negativos e positivos (económicos, sociais e morais) qualquer que seja a nossa área de actuação. Nem precisamos de recorrer aos transgénicos para perceber que as revistas científicas estão carregadas de experiências absolutamente estéreis que só servem os interesses pessoais dos autores das publicações. Felizmente a internet permite-nos hoje em dia corrigir a assimetria de informação para depois usarmos a nossa cabeça na desmontagem da rede de interesses que pode estar por trás de cada grande notícia, descoberta ou novidade. O cepticismo informado é uma ferramenta muito útil, da qual nunca deveríamos abrir mão.
Ritili, pense nas notícias com que nos têm matraqueado da fome no mundo, da seca generalizada e, logo a seguir, no novo messias que teríamos à mão de semear, se não fossem as medidas restritivas de uma Europa caduca: os milagrosos OGM! Já assistimos a esta estratégia tantas vezes que devíamos desconfiar (a última, bem recente, foi a do terrível terrorismo com que nos azucrinaram o juízo para implementar medidas - aceites e diria até desejadas pelas populações em pânico - apenas para se verificar mais tarde que os objectivos eram outros inconfessáveis; mas agora está feito e é muito difícil voltar atrás)

Ritili disse...

Cristina,

Concordo que os transgénicos não sejam o Messias que vai acabar com a fome no mundo e com todos os problemas socias. Mas ainda hoje estava a ler numa revista os estragos provocados pela produção de algodão, e não pude deixar de pensar que, se aquele algodão precisasse de menos água, o impacto no ambiente teria sido bem menor.
Também já fui uma céptica (desconfiada), que achava que os problemas excediam as potenciais vantagens, mas com a informação e formação que tenho actualmente, penso que podem ser uma ferramenta muito importante e que não deve ser posta de parte.

Rita,

Há, sem sombra de dúvidas, formas muito mais disparatadas de gastar dinheiro do que nos OGM, umas que nos beneficiam ligeiramente, outras nem por isso, e outras que matam milhares de pessoas. Todo esse dinheiro podia ser gasto a alimentar populações e não é. A culpa não é dos transgénicos nem da indústria por detrás deles.

O "publish or perish" existe, mas também existe investigação séria que usa trangénicos. No teu post, não consigo perceber se atacas todos os cientistas que fazem OGMs na investigação, ou só aqueles que o para aplicação na agricultura. Se for o primeiro caso, como me parece, mantenho que é uma ferramenta importantíssima na caracterização de genes e promotores que não pode ser dispensada, porque produz conhecimento, nalguns casos importante. E não te podes esquecer que algumas ideias importantes provêm de experiências aparentemente redundantes. Os cientistas que usam transgénicos para completar o seu estudo têm o direito de o fazer, sem por isso serem descredibilizados.

Rita

Rita disse...

Ritili,

«Todo esse dinheiro podia ser gasto a alimentar populações e não é. A culpa não é dos transgénicos nem da indústria por detrás deles.
»

É sim. A culpa é da indústria por trás deles, que prefere lucrar muito e rapidamente a engordar os ocidentais do hemisfério norte do que ganhar menos e demorar um pouco mais arranjando soluções adequadas aos pobres do hemisfério sul.

Eu própria trabalho em biotecnologia, como fiz questão de explicar. Não sou CONTRA os transgénicos, porque isso seria de uma atitude semi-religiosa. Também não sou contra a criação de plantas transgénicas porque, como tu dizes, a manipulação genética é uma optima ferramenta para percebermos as bases do mecanismo celular. Acho é uma vergonha a criação abusiva de OGM só para registar patentes e esperar que alguma empresa as compre, como se tem verificado nos últimos 5-10 anos. Quanto aos OGM agrícolas, e por ter trabalhado na área durante quase 1 ano, conheço-os como perfeitamente desnecessários e perigosos.